A temática dos direitos da comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex) tem sido amplamente discutida e difundida nas grandes mídias. Vivemos um tempo em que, apesar de persistir o preconceito e a violência contra esse grupo, a legislação e a jurisprudência têm caminhado no sentido ampliar e institucionalizar a sua proteção.
Um exemplo disso é a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade 4275 reconheceu aos transgêneros, que assim desejarem, o direito à substituição de prenome e sexo, diretamente no registro civil, independentemente da cirurgia de transgenitalização ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes. Isso quer dizer que o transgênero poderá por alterar o seu nome e sexo, sem maiores burocracias.
Em que pese a massiva divulgação de tal notícia, a decisão ainda não transitou em julgado, ou seja, ainda é passível de recurso. Assim, alguns cartórios a princípio deixaram de realizar a alteração desejada alegando de um lado, que a decisão definitiva deveria ser aguardada, e de outro, que não havia uma instrução do Conselho Nacional de Justiça, regulamentando a questão. Nesses casos o oficial de cartório encaminhava o pedido ao Juiz Corregedor, para apreciação da questão. Tal recusa não foi bem aceita na comunidade LGBTI.
Diante de tal contexto, o Conselho Nacional de Justiça convocou as corregedorias dos Tribunais dos diferentes Estados, a Defensoria pública, institutos ligados ao Direito de Família, como o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), associações de cartório e representantes de grupos ligados aos transgêneros e à comunidade LGBTI, com objetivo de definir as melhores regras de atuação e aplicação do julgamento mencionado, visando não só a manutenção dos direitos conferidos pelo STF, como também a preservação da segurança jurídica. Tal discussão culminou no Provimento nº 73, de 28 de junho de 2018, elaborado com base na legislação internacional de Direitos Humanos.
Em linhas gerais, esse o provimento determina que:
– O requerimento de substituição de prenome, sexo ou ambos, será realizado pessoalmente pelos transgêneros, que assim o desejarem, diretamente no Registro Civil das Pessoas Naturais;
– Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de todos os atos da vida civil poderá requerer a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida;
– A substituição dos prenomes poderá abranger todos aqueles que sejam indicativos do sexo distinto daquele a que se pretende referir, porém não poderão ser alterados os nomes de família;
– O atendimento do pedido apresentado ao registrador independe de prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim como de apresentação de laudo médico ou psicológico;
– Serão informados os órgãos expedidores do RG, ICN, CPF e passaporte e Justiça Eleitoral;
– Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade ou simulação quanto ao desejo real da pessoa requerente, o registrador fundamentará a recusa e encaminhará o pedido ao juiz corregedor permanente;
– A subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de nascimento dos descendentes da pessoa requerente dependerá da anuência deles quando relativamente capazes ou maiores, bem como da de ambos os pais;
– A subsequente averbação da alteração do prenome e do gênero no registro de casamento dependerá da anuência do cônjuge;
– Havendo discordância dos pais ou do cônjuge quanto à averbação mencionada nos parágrafos anteriores, o consentimento deverá ser suprido judicialmente.
Para os profissionais que atuam em defesa da comunidade LGBTI a mencionada decisão foi uma das maiores conquistas da população transgênero no nosso direito, colocando o Brasil em uma posição de destaque no cenário internacional. Porém, temos que observar como a mudança do nome e sexo no registro civil vai ser efetivamente abordada pelos cartórios, judiciário e pela sociedade como um todo.
Por Aline Neris, advogada da Cavallaro e Michelman Advogados Associados