O conceito de família evolui juntamente com a sociedade. Nos dias atuais não mais podemos conceber como família tão somente como aquele núcleo formado pelos pais biológicos e seus filhos. E o Direito também tem que acompanhar esse desenvolvimento. Isso porque as características de uma sociedade devem ter reflexos nas leis e nas jurisprudências.
Diversas são essas mudanças sociais que têm consequências imediatas nas relações jurídicas, como por exemplo, a independência da mulher, a institucionalização das uniões homoafetivas, a superação do patriarcado e a equiparação da companheira à esposa. Tais modificações tanto na mentalidade da sociedade, como nas próprias leis e julgados são ocasionadas, entre outros fatores pelo aumento dado à importância do afeto nas relações humanas e familiares.
Muito mais do que laços de sangue ou jurídicos, o verdadeiro elo entre as pessoas envolvidas no núcleo familiar se consubstancia no afeto, como valor jurídico e na afetividade como princípio norteador. Dessa forma, afetividade ganha status no direito de família, que se tornou mais plural, aberta, multifacetária e globalizada.
Assim, o judiciário tem recebido uma infinidade de demandas que envolvem o reconhecimento de relacionamentos não convencionais como família, principalmente no que tange ao reconhecimento da filiação por socioafetividade, ou seja, por sujeitos que não são os genitores biológicos e que convivem e participam diretamente do desenvolvimento da criança.
Os diversos Tribunais brasileiros, inclusive o Supremo Tribunal Federal, adotando a afetividade como princípio norteador, consolidaram jurisprudência no sentido de que as relações parentais devem ser analisadas sob um prisma mais amplo, de modo que as expressões de carinho e convivência se tornaram relevantes nas tomadas de decisões. Cumpre destacar que, em recente julgamento o STF, nosso mais alto grau de jurisdição, determinou que as relações familiares e parentais são instituídas pelo casamento, descendência biológica e afetividade. Portanto, efetivamente, surge uma nova forma de parentesco civil: a parentalidade socioafetiva, na qual as relações de carinho, cumplicidade e convivência são devidamente valorizadas.
Para exemplificar, citemos a figura de um padrasto que acompanha o crescimento de uma criança, tem responsabilidade, demonstra afeto e educa. Ele, ao ingressar com uma ação de reconhecimento de paternidade socioafetiva, pode e deve ser equiparado à figura do pai biológico. Tal decisão terá efeitos práticos não apenas no registro da criança e em toda a sua vida civil, como também nos campos patrimoniais e sucessórios.
É importante ressaltar que o reconhecimento da figura da paternidade socioafetiva não exclui a paternidade biológica, ou seja, o pai biológico continua sendo pai, em todos os seus direitos e obrigações. Esse fenômeno jurídico recente é chamado de multiparentalidade, que possibilita não só convivência com as duas figuras paternas, mas também todos os desdobramentos, dentre os quais o duplo registro.
Sim. Vivemos num mundo em que as configurações dos núcleos familiares estão passando por rápidas modificações. Como bem colocou o Ministro do STF, Luiz Edson Fachin, ‘não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade’. E cabe a nós, os operadores do direito, auxiliar a sociedade a fazer valer essa aspiração à felicidade, através do reconhecimento das relações familiares, tendo o afeto como o princípio norteador.
Por Aline Neris