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Reconhecimento de filiação e ação de investigação de paternidade

A temática do reconhecimento biológico da filiação ainda é polêmica. Tal reconhecimento faz-se necessário não apenas como elemento pressuposto das obrigações alimentícias e para a configuração dos direitos sucessórios, como também para fazer valer o direito do indivíduo de ter conhecimento sobre sua origem genética.

Por razões óbvias, dificilmente existem dúvidas sobre a identidade da mãe, já que desde os primórdios seguimos a máxima de que a maternidade é sempre certa (do ditado romano mater semper certa est). Porém, como nada no mundo jurídico é absoluto, existem exceções a essa regra, dentre as quais podemos citar casos em que há troca de bebês em maternidades, nos quais não há certeza sobre a identidade da genitora.

Mas sem dúvidas as grandes polêmicas e discussões residem no reconhecimento da paternidade, justamente porque ela é incerta, apesar de haver presunções em determinados casos. Por isso, tal reconhecimento pode se dar voluntariamente ou judicialmente. O reconhecimento voluntário ocorre quando o pai registra a criança, manifesta o fato através de um testamento ou perante um magistrado.

Judicialmente, existem diversos tipos de ações de reconhecimento de filiação, mas a mais comum e conhecida é a investigação de paternidade, na qual há a comprovação do vínculo biológico e pode ser proposta, a qualquer momento, pelo filho, representado pela mãe quando menor de idade. Tal procedimento é muito delicado, por envolver direitos personalíssimos atinentes à dignidade da pessoa humana.

O meio de prova apto para comprovar uma relação de paternidade é a prova técnica, através da realização do chamado exame de DNA dos envolvidos, que constata a certeza do vínculo biológico. Cumpre observar que, em casos extremos, a prova pode ser obtida inclusive com a exumação do corpo do pai falecido.

Foi o que ocorreu recentemente com o corpo do notável pintor Salvador Dali, embalsamado em 1989, que teve os seus restos mortais exumados por ordem de uma decisão judicial, em uma ação de paternidade, proposta por uma suposta filha. O resultado, divulgado recentemente, apontou que não havia vínculo genético, sendo certo que o gênio espanhol não era pai da autora da ação.

Uma das questões mais controvertidas no que se refere ao exame de DNA reside na possibilidade ou não da recusa por parte do investigado. A análise do tema evidencia a existência de um conflito de direitos: de um lado temos o direito do filho de saber quem é seu pai, do outro os direitos à integridade, privacidade, liberdade e dignidade do genitor. Não existe no ordenamento uma resposta legal, mas parece-me razoável que não pode haver uma condução coercitiva do pai, para que haja a realização do procedimento em tela. A jurisprudência, objetivando solucionar tal demanda, decidiu que em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz a presunção de paternidade (Súmula 301 do STJ). Assim, o genitor não pode ser obrigado a realizar o exame, porém, se não o fazê-lo há a presunção de que o mesmo é o pai. Salienta-se que tal presunção é relativa, podendo ser combatida por outros meios de prova aptos.

Após o procedimento regular da ação é proferida sentença, a qual tem os mesmos efeitos do reconhecimento voluntário de filiação, devendo fazer constar o genitor no registro civil do filho. É importante ressaltar que o reconhecimento da filiação biológica não exclui o vínculo afetivo existente com o chamado pai de criação. A doutrina e jurisprudência há anos têm admitido a multiparentalidade, de modo que nada impede que haja o reconhecimento e registro do pai biológico e do pai afetivo.

Assim, em que pese tratar-se de ações que envolvem questões extremamente delicadas como privacidade, intimidade e dignidade, o reconhecimento de filiação e mais especificamente a ação de investigação de paternidade são procedimentos jurídicos essenciais no Direito de Família, pois a existência comprovada do vínculo é pressuposto para uma série de direitos e obrigações, não só relativos a alimentos e sucessão, como também à própria necessidade da criança em estar inserida em um núcleo familiar, seja qual for a sua configuração.

Por Aline Neris

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